Vamos relatar aqui um caso clínico publicado no NEJM que nos apresenta informações preciosas [[link](https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMicm2402990)]
###### Caso Clínico
Um homem de 44 anos que procurou atendimento por sintomas aparentemente inespecíficos: **intolerância ao calor e dor em queimação em mãos e pés**, presentes há anos. Embora comuns em diversas neuropatias periféricas, esses achados despertaram a necessidade de uma avaliação mais ampla, sobretudo quando **associados a dispneia aos esforços, hipohidrose e taquicardia sinusal persistente.**
O exame físico acrescentou uma pista importante:** lesões vasculares periumbilicais com longa evolução, compatíveis com angioceratomas (Figura 1).** Embora isoladamente não conclusivos, em conjunto com as manifestações clínicas sugeriam a possibilidade de uma doença sistêmica de depósito.

A presença de proteinúria não nefrótica motivou investigação renal. Realizado biópsia renal que revelou podócitos vacuolados, e a microscopia eletrônica mostrou os característicos depósitos lamelados de globotriaosilceramida, os chamados **corpos zebróides (Figura 1)**. Esses achados reforçaram a hipótese de Doença de Fabry.
A confirmação laboratorial veio da dosagem enzimática, demonstrando atividade de α-galactosidase A marcadamente reduzida (<1,0 nmol/h/mg; referência: 45–85). Em seguida, o teste genético identificou variante patogênica no gene GLA, estabelecendo o diagnóstico definitivo.
Considerando o caráter ligado ao X da doença, a triagem familiar foi realizada e revelou a mesma variante em mãe e irmão do paciente. Esse passo ressaltou a importância da abordagem genética não apenas para confirmação, mas também para rastreamento de familiares em risco.
O tratamento foi iniciado com terapia de reposição enzimática, associado a seguimento multidisciplinar em nefrologia, cardiologia e neurologia, visando manejo das complicações e acompanhamento longitudinal.
###### **Reflexão clínica para o Nefrologista**
Este caso mostra como sinais aparentemente desconexos — neuropatia dolorosa, disautonomia, angioceratomas e proteinúria — podem se integrar em um diagnóstico único quando avaliados de forma sistemática. A Doença de Fabry, embora rara, deve ser considerada no diagnóstico diferencial de proteinúria associada a manifestações extrarrenais. O reconhecimento precoce permite terapias modificadoras de doença e tem implicações diretas para pacientes e familiares.